Viver significa estar em constante interação com o mundo interno e externo. Isto é, buscar no meio aquilo que precisamos para viver, como o ar para respirar; amor; amigos; conhecimento. Nesta troca com o mundo externo, tanto a pessoa como o meio saem transformados.
Isso pode ser visto nas obras de artes, expressões do mundo interno do artista, que convida o espectador a embarcar na sua emoção. O convite permite também que o observador olhe para sua própria emoção e dê o seu significado à arte e aos seus sentimentos. Dessa forma, tanto o artista e o espectador moldam sua vivência e transformam-se com ela, ao mesmo tempo em que mudam a obra.
O filósofo francês Merleau-Ponty afirma que é impossível separar obra-autor-espectador, pois cada um, de acordo com sua experiência, dá sentido à obra, recriando-a. É com essa ideia que surge, nas artes, o movimento neoconcretista. O neoconcretismo traz o conceito de artes como extensão do ser humano e, portanto, é um espaço que deve ser vivido. Assim, o espectador deixa de ser um mero observador para se tornar figura ativa na obra.
A obra “Através”, de Cildo Meireles, encontrada no museu de Inhotim (Minas Gerais), permite esse encontro entre obra-artista-espectador. Meireles usa objetos como cortina de chuveiro, grade de prisão, aquário, cercas de madeira ou arame farpado, dentre outros, para recriar as barreiras e cargas psicológicas e emocionais com as quais nos deparamos. Esses elementos se organizam sobre um chão de vidro estilhaçado. O espectador experimenta a estrutura caminhando entre as barreiras, deixando para trás as antigas e descobrindo novas. Em forma de labirinto, a obra “Através” faz alusão às barreiras da vida e ao nosso desejo de superá-las.
É nesse mundo que o convido a mergulhar: Imagine-se andando sobre os vidros e tentando alcançar o centro da obra: a bola branca com a luz. A cada passo o cuidado para não esbarrar em cercas de madeira ou arame, cortinas de plásticos, ferro ou, até mesmo, grades de prisão. Além disso, o labirinto parece frio, impessoal. Mas, ao chegar ao centro, você pode perceber o calor da bola branca e, quem sabe, sentir o quanto a caminhada poderia ser melhor se não houvesse tantas barreiras.
Agora, veja-se no lugar dessa bola e perceba as barreiras que você criou. Os bloqueios construídos permitem a aproximação das pessoas ou as afastam? Os obstáculos possibilitam seu ir e vir de forma tranquila ou árdua? O que há no seu centro de tão precioso que precisa ser trancado em um labirinto? O que há em você que não pode ser compartilhado?
A psicologia fala sobre as defesas que construímos ao longo da vida. Às vezes, essas barreiras estão tão arraigadas em nós que nunca paramos para questioná-las e verificar sua real necessidade. As defesas surgem como uma proteção e podemos guardá-las para serem usadas em uma situação similar àquela vivida. Por exemplo: uma criança que perde sua mãe poderá criar barreiras para afastar as pessoas. Na cabeça dela, essa é a melhor forma de garantir que não irá perder ninguém que ama. No entanto, a criança, sem perceber, também estará se privando de dar e receber amor.
As nossas crenças, preconceitos e medos também poderão ser obstáculos para nos afastar das pessoas e impedi-las de ter acesso a nós. Sem nos darmos conta, colocamos o outro e nós mesmos em uma zona fria de proteção. O centro do nosso ser se aquece, mas as extremidades e o meio se tornam frios, impessoais e rígidos.
As barreiras intransponíveis – como as grades de prisão, as treliças, os plásticos- nos impedem de enxergar além. Esses obstáculos nos mantêm cativos de nós mesmos e de nossas dores. Já as barreiras mais fluidas, como as cortinas de banheiro, cozinha e aquário nos dão a oportunidade de ver além de nossas dores. No entanto precisamos contorná-las para sair dali. A manutenção das barreiras é um movimento que requer um grande gasto de energia. Assim, muitas vezes, ficamos presos em nosso próprio labirinto de dores e desejos, sem conseguir ir além.
As defesas são importantes, mas o excesso delas nos afasta de nossa essência e nos impede de buscar aquilo que desejamos. A psicoterapia nos ajuda a enxergar nossas barreiras, questioná-las, entendê-las e decidir quais serão removidas, relocadas ou mantidas. O labirinto poderá existir com defesas mais fluídas em alguns pontos; com cerca de arame nos lugares de maior dor; grade de prisão nos caminhos proibidos. A diferença será a consciência que você terá de seu labirinto e de suas barreiras.